domingo, 31 de maio de 2009

São Paulo, Maio de 2006. Uma noite de Insônia.


"Manhã de terça-feira, primeira aula. Encontro-me sozinho na sala de aula. Aos poucos os alunos do 1°A vão chegando: um bom-dia meio tímido, ainda sonolento...me pergunto como iniciar um trabalho de Filosofia numa manhã fria quando tudo o que os alunos queriam era permanecer deitados na cama...Olhar fixo em uma das carteiras permaneço ensimesmado e de repente salta-me aos olhos um símbolo: um aluno desenhara com sua velha caneta azul uma suástica. .

Como educador eu não podia deixar aquilo registrado sem tomar uma decisão, ainda que me custasse o sacrifício de uma aula, eu ganharia algo se fizesse com que meus alunos percebessem o significado absurdo de uma suástica. E seria melhor ainda se eles percebessem que é ainda maior absurdo desenhar uma suástica sem saber o que ela significa.

Aula de Filosofia: desvelar, desvendar, investigar, descobrir...O objetivo então era mostrar que a Filosofia era o contrário da Ideologia. Creio que consegui conduzir a aula, parece que os alunos tinham uma certa curiosidade em saber mais sobre as ideologias políticas.

Dias depois exibi o filme “Ilha das Flores”. E o que eu pretendi com isso? Ah! Isso é simples: O título e o conteúdo são antitéticos. Os alunos vão perceber que entre um e outro há uma contradição.

Na verdade os alunos já haviam assistido ao filme e quando retornei para junto deles, na sala de vídeo, percebi um clima de indignação por parte de alguns alunos. Mas a indignação dizia respeito a atitude da cultura escolar: “Discutir, discutir, discutir... a gente poderia fazer alguma coisa pra mudar ao invés de só discutir...”

Fiquei estupefato. No momento me vinha à cabeça um das competências que os educadores querem ver desenvolvidas nos alunos, a saber, que este aluno possa utilizar-se dos conhecimentos adquiridos na escola para construir projetos de intervenção social.

Ora, deste modo, assistir ao filme “Ilha das Flores” teve um efeito muito positivo: os alunos sentiram necessidade de partir para a ação. Isso nos anima pois assim temos a certeza de que o trabalho do professor é algo que se espalha para além dos muros da escola...e é isso que eu penso como educador: proporcionar conhecimento para vida, reconectar pensamento, vida e obra...

No momento em que escrevo este texto tenho nas mãos uma folha de caderno. Nesta folha há o nome de um aluno e um título: “O Cubo do Pensamento”. O aluno é Rodrigo Rafael. O texto diz o seguinte:

“Podemos dizer que o cubo tem muitas cores e cada cor pode ser o pensamento de uma pessoa; se cada pessoa concorda com a outra elas chegam em um entendimento. Assim as cores do cubo podem ser montadas mas não completo porque nunca ninguém concorda com tudo que todos dizem”.

Ouço também a aluna Agnes problematizar ainda mais: “ Mas...o cubo não vem montado? Porque é que nós o desmontamos?”

Chegam à uma resposta provisória: que nossas aulas são como um cubo mágico, cubo da vida, do pensamento...sei lá, um jogo que a gente aprende a jogar conforme se vai jogando. Como o cubo mágico: a gente aprende a montá-lo em meio a tentativas e erros. E o mais interessante é que por mais que pessoas já tenham montado o cubo, não há como ensinar a montá-lo a não ser pedindo que o montador-aprendiz monte seu próprio caminho. Para isso é necessário paciência e um certo gosto por desafios...

Filosofia: logo no primeiro mês, lembro-me da Mariany dizendo que não tinha como responder o que é Filosofia sem filosofar porque a pergunta “o que é Filosofia” já nos obrigava justamente a filosofar.

E o Bruno: estudamos Filosofia para não dormir...Foi uma feliz brincadeira pois ele nem imaginava que o filósofo Merleau-Ponty disse que “filosofar é despertar para ver e mudar o mundo.” Ele também não imagina que Kant, o filósofo alemão, dizia que as idéias de um outro filósofo o haviam despertado do sono...

Meus alunos do 1° A...o que eles escreveriam se tivessem de relatar o que aprenderam? Será que cada um deles seria capaz de auto-avaliar o seu próprio processo de aprendizagem? Será que eles poderiam apontar os aspectos mais importantes desse bimestre?

Estou preocupado e cansado, são 1:38 da manhã. O material de Filosofia parece pouco, mas pensando bem até que o pouco dá pra começar, afinal eu me esqueci dos filmes sobre o Oráculo de Delfos e sobre Pitágoras...bem, temos ainda dois slides nos computadores. Informações temos bastante, talvez ele possam responder qual a diferença entre o pensamento mítico e o pensamento filosófico. Ou quem sabe apontem as condições históricas que motivaram o surgimento da Filosofia. Alguma coisa é possível: pelo menos a importância do diálogo eles devem ter percebido...ágora e dialética são inseparáveis. O que será que eles acham dessa informação?

Ah! Chega, 1:46, vou dormir...amanhã as aulas serão melhor do que nunca..."

Fabiano Ramos Torres in " Diários, notas e provas bimestrais - crônicas do cotidiano escolar"

Esta foi a proposta de uma avaliação de final de bimestre. Li este texto na aula, estávamos na sala de informática, formávamos um grande círculo. Após a leitura, os alunos exploriam em palmas e vivas! O retorno foi incrível. Muitos textos belos. Foi meu primeiro ano como professor e eu estava mergulhado até a alma nas concepções de Paulo Freire. Eu aprendi muito nesse ano, foi realmente um grande ano em minha vida!

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