"Manhã de terça-feira, primeira aula. Encontro-me sozinho na sala de aula. Aos poucos os alunos do 1°A vão chegando: um bom-dia meio tímido, ainda sonolento...me pergunto como iniciar um trabalho de Filosofia numa manhã fria quando tudo o que os alunos queriam era permanecer deitados na cama...Olhar fixo em uma das carteiras permaneço ensimesmado e de repente salta-me aos olhos um símbolo: um aluno desenhara com sua velha caneta azul uma suástica. .
Como educador eu não podia deixar aquilo registrado sem tomar uma decisão, ainda que me custasse o sacrifício de uma aula, eu ganharia algo se fizesse com que meus alunos percebessem o significado absurdo de uma suástica. E seria melhor ainda se eles percebessem que é ainda maior absurdo desenhar uma suástica sem saber o que ela significa.
Aula de Filosofia: desvelar, desvendar, investigar, descobrir...O objetivo então era mostrar que a Filosofia era o contrário da Ideologia. Creio que consegui conduzir a aula, parece que os alunos tinham uma certa curiosidade em saber mais sobre as ideologias políticas.
Dias depois exibi o filme “Ilha das Flores”. E o que eu pretendi com isso? Ah! Isso é simples: O título e o conteúdo são antitéticos. Os alunos vão perceber que entre um e outro há uma contradição.
Na verdade os alunos já haviam assistido ao filme e quando retornei para junto deles, na sala de vídeo, percebi um clima de indignação por parte de alguns alunos. Mas a indignação dizia respeito a atitude da cultura escolar: “Discutir, discutir, discutir... a gente poderia fazer alguma coisa pra mudar ao invés de só discutir...”
Fiquei estupefato. No momento me vinha à cabeça um das competências que os educadores querem ver desenvolvidas nos alunos, a saber, que este aluno possa utilizar-se dos conhecimentos adquiridos na escola para construir projetos de intervenção social.
Ora, deste modo, assistir ao filme “Ilha das Flores” teve um efeito muito positivo: os alunos sentiram necessidade de partir para a ação. Isso nos anima pois assim temos a certeza de que o trabalho do professor é algo que se espalha para além dos muros da escola...e é isso que eu penso como educador: proporcionar conhecimento para vida, reconectar pensamento, vida e obra...
No momento em que escrevo este texto tenho nas mãos uma folha de caderno. Nesta folha há o nome de um aluno e um título: “O Cubo do Pensamento”. O aluno é Rodrigo Rafael. O texto diz o seguinte:
“Podemos dizer que o cubo tem muitas cores e cada cor pode ser o pensamento de uma pessoa; se cada pessoa concorda com a outra elas chegam em um entendimento. Assim as cores do cubo podem ser montadas mas não completo porque nunca ninguém concorda com tudo que todos dizem”.
Ouço também a aluna Agnes problematizar ainda mais: “ Mas...o cubo não vem montado? Porque é que nós o desmontamos?”
Chegam à uma resposta provisória: que nossas aulas são como um cubo mágico, cubo da vida, do pensamento...sei lá, um jogo que a gente aprende a jogar conforme se vai jogando. Como o cubo mágico: a gente aprende a montá-lo em meio a tentativas e erros. E o mais interessante é que por mais que pessoas já tenham montado o cubo, não há como ensinar a montá-lo a não ser pedindo que o montador-aprendiz monte seu próprio caminho. Para isso é necessário paciência e um certo gosto por desafios...
Filosofia: logo no primeiro mês, lembro-me da Mariany dizendo que não tinha como responder o que é Filosofia sem filosofar porque a pergunta “o que é Filosofia” já nos obrigava justamente a filosofar.
E o Bruno: estudamos Filosofia para não dormir...Foi uma feliz brincadeira pois ele nem imaginava que o filósofo Merleau-Ponty disse que “filosofar é despertar para ver e mudar o mundo.” Ele também não imagina que Kant, o filósofo alemão, dizia que as idéias de um outro filósofo o haviam despertado do sono...
Meus alunos do 1° A...o que eles escreveriam se tivessem de relatar o que aprenderam? Será que cada um deles seria capaz de auto-avaliar o seu próprio processo de aprendizagem? Será que eles poderiam apontar os aspectos mais importantes desse bimestre?
Estou preocupado e cansado, são 1:38 da manhã. O material de Filosofia parece pouco, mas pensando bem até que o pouco dá pra começar, afinal eu me esqueci dos filmes sobre o Oráculo de Delfos e sobre Pitágoras...bem, temos ainda dois slides nos computadores. Informações temos bastante, talvez ele possam responder qual a diferença entre o pensamento mítico e o pensamento filosófico. Ou quem sabe apontem as condições históricas que motivaram o surgimento da Filosofia. Alguma coisa é possível: pelo menos a importância do diálogo eles devem ter percebido...ágora e dialética são inseparáveis. O que será que eles acham dessa informação?
Ah! Chega, 1:46, vou dormir...amanhã as aulas serão melhor do que nunca..."
Fabiano Ramos Torres in " Diários, notas e provas bimestrais - crônicas do cotidiano escolar"
Esta foi a proposta de uma avaliação de final de bimestre. Li este texto na aula, estávamos na sala de informática, formávamos um grande círculo. Após a leitura, os alunos exploriam em palmas e vivas! O retorno foi incrível. Muitos textos belos. Foi meu primeiro ano como professor e eu estava mergulhado até a alma nas concepções de Paulo Freire. Eu aprendi muito nesse ano, foi realmente um grande ano em minha vida!
Como educador eu não podia deixar aquilo registrado sem tomar uma decisão, ainda que me custasse o sacrifício de uma aula, eu ganharia algo se fizesse com que meus alunos percebessem o significado absurdo de uma suástica. E seria melhor ainda se eles percebessem que é ainda maior absurdo desenhar uma suástica sem saber o que ela significa.
Aula de Filosofia: desvelar, desvendar, investigar, descobrir...O objetivo então era mostrar que a Filosofia era o contrário da Ideologia. Creio que consegui conduzir a aula, parece que os alunos tinham uma certa curiosidade em saber mais sobre as ideologias políticas.
Dias depois exibi o filme “Ilha das Flores”. E o que eu pretendi com isso? Ah! Isso é simples: O título e o conteúdo são antitéticos. Os alunos vão perceber que entre um e outro há uma contradição.
Na verdade os alunos já haviam assistido ao filme e quando retornei para junto deles, na sala de vídeo, percebi um clima de indignação por parte de alguns alunos. Mas a indignação dizia respeito a atitude da cultura escolar: “Discutir, discutir, discutir... a gente poderia fazer alguma coisa pra mudar ao invés de só discutir...”
Fiquei estupefato. No momento me vinha à cabeça um das competências que os educadores querem ver desenvolvidas nos alunos, a saber, que este aluno possa utilizar-se dos conhecimentos adquiridos na escola para construir projetos de intervenção social.
Ora, deste modo, assistir ao filme “Ilha das Flores” teve um efeito muito positivo: os alunos sentiram necessidade de partir para a ação. Isso nos anima pois assim temos a certeza de que o trabalho do professor é algo que se espalha para além dos muros da escola...e é isso que eu penso como educador: proporcionar conhecimento para vida, reconectar pensamento, vida e obra...
No momento em que escrevo este texto tenho nas mãos uma folha de caderno. Nesta folha há o nome de um aluno e um título: “O Cubo do Pensamento”. O aluno é Rodrigo Rafael. O texto diz o seguinte:
“Podemos dizer que o cubo tem muitas cores e cada cor pode ser o pensamento de uma pessoa; se cada pessoa concorda com a outra elas chegam em um entendimento. Assim as cores do cubo podem ser montadas mas não completo porque nunca ninguém concorda com tudo que todos dizem”.
Ouço também a aluna Agnes problematizar ainda mais: “ Mas...o cubo não vem montado? Porque é que nós o desmontamos?”
Chegam à uma resposta provisória: que nossas aulas são como um cubo mágico, cubo da vida, do pensamento...sei lá, um jogo que a gente aprende a jogar conforme se vai jogando. Como o cubo mágico: a gente aprende a montá-lo em meio a tentativas e erros. E o mais interessante é que por mais que pessoas já tenham montado o cubo, não há como ensinar a montá-lo a não ser pedindo que o montador-aprendiz monte seu próprio caminho. Para isso é necessário paciência e um certo gosto por desafios...
Filosofia: logo no primeiro mês, lembro-me da Mariany dizendo que não tinha como responder o que é Filosofia sem filosofar porque a pergunta “o que é Filosofia” já nos obrigava justamente a filosofar.
E o Bruno: estudamos Filosofia para não dormir...Foi uma feliz brincadeira pois ele nem imaginava que o filósofo Merleau-Ponty disse que “filosofar é despertar para ver e mudar o mundo.” Ele também não imagina que Kant, o filósofo alemão, dizia que as idéias de um outro filósofo o haviam despertado do sono...
Meus alunos do 1° A...o que eles escreveriam se tivessem de relatar o que aprenderam? Será que cada um deles seria capaz de auto-avaliar o seu próprio processo de aprendizagem? Será que eles poderiam apontar os aspectos mais importantes desse bimestre?
Estou preocupado e cansado, são 1:38 da manhã. O material de Filosofia parece pouco, mas pensando bem até que o pouco dá pra começar, afinal eu me esqueci dos filmes sobre o Oráculo de Delfos e sobre Pitágoras...bem, temos ainda dois slides nos computadores. Informações temos bastante, talvez ele possam responder qual a diferença entre o pensamento mítico e o pensamento filosófico. Ou quem sabe apontem as condições históricas que motivaram o surgimento da Filosofia. Alguma coisa é possível: pelo menos a importância do diálogo eles devem ter percebido...ágora e dialética são inseparáveis. O que será que eles acham dessa informação?
Ah! Chega, 1:46, vou dormir...amanhã as aulas serão melhor do que nunca..."
Fabiano Ramos Torres in " Diários, notas e provas bimestrais - crônicas do cotidiano escolar"
Esta foi a proposta de uma avaliação de final de bimestre. Li este texto na aula, estávamos na sala de informática, formávamos um grande círculo. Após a leitura, os alunos exploriam em palmas e vivas! O retorno foi incrível. Muitos textos belos. Foi meu primeiro ano como professor e eu estava mergulhado até a alma nas concepções de Paulo Freire. Eu aprendi muito nesse ano, foi realmente um grande ano em minha vida!
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