terça-feira, 26 de agosto de 2008

Tentativa de definição do Fórum-Nômade



..."Um fórum incomum, desarraigado dos tradicionais conceitos de fórum, vítima de uma desterritorialização, sem mesmo uma organização interna. (?) Parece inviável, impossível, mas é justamente o que tem acontecido no Conjunto Habitacional José Bonifácio, zona leste de São Paulo. Um novo movimento pela educação pública surgiu espontâneamente entre alunos, professores e comunidade da Escola Estadual Profa. Ruth Cabral Troncarelli. Um fórum-conversa, um fórum-diálogo, um fórum andante, talvez na manifestação da amorosidade, da relação educando-educador. Um fórum andarilho, ambulante, nômade... porque não tem residência fixa, mas ao mesmo tempo está ocorrendo em várias localidades, num texto, numa idéia, numa palavração.

Nas esquinas esquecidas, fruto de seu saber moribundo, traz consigo a figura dos homens andantes: os nômades, cujo céu era o teto de uma moradia infinita. Nascido da Arte, pela Arte e para a Arte, "os nômades" enquanto fórum, fazem da vida, dos encontros, dos diálogos, e até mesmo dos olhares, resistência a um modelo falido, a um sistema em decomposição pedagógica tal qual o cenário tremendo presente na periferia da grande metrópole, privada do "aparecer", da "vita Activa" tal qual propunha Hannah Arendt.

Assustam à primeira vista pois: "Eles têm bocas escancaradas, dentes afiados, comem carne crua junto a seus cavalos, falam como gralhas, reviram os olhos e afiam constantemente suas facas." ( Kafka. Apud.Peter Pal Pélbart - Poder sobre a vida,Potências da Vida )

Inauguraram um novo endereço-passagem na internet, mais um de muitos local-fórum: nomade-zl.blogspot.com e de lá afiam suas facas.

Um grupo bem diferente entre si, e que descobre agora a pedagogia da diferença, do dissenso, através da qual os agenciamentos são possíveis, as novas relações, as novas formas de associações, as novas cooperações...

Com forte influência freireana, jovens, adolescentes Educandos-Educadores pretendem, sem folclorizar seu subdesenvolvimento, sem negar o que leram e onde vivem, sem deixar de citar a desnutrição a qual são submetidos, eles pretendem RECRIAR – REINVENTAR: "Existir é, assim, um modo de vida que é próprio ao ser capaz de transformar, de produzir, de decidir, de criar, de recriar, de comunicar-se " ( Paulo Freire ) ( Paulo Ricardo de Lima )

O Fórum Nômade – poderíamos dizer que se trata de um lugar, mas isso também não é possível. São lugares, na verdade. Multiplicidade de olhares, de vozes e de pontos de escuta. Não há uma linha de pensamento. Não há uma escola. Não pretendemos formar e tampouco doutrinar ninguém.

O Fórum Nômade é feito de lugares dispersos e de tempos reinventados a cada vez que se visita cada um desses lugares. O tempo do blog é um. O tempo do encontro nas calçadas esburacadas, outro. O tempo do Fórum-sala-de-aula, no pátio ou nos corredores da escola: outros tempos. O tempo da Intervenção, da atuação, do ato, da coxia, do palco, da performance e do terrorismo poético, são todos tempos diferentes. Às vezes marcado pelas velocidades – mas como nem sempre as velocidades da vida pós-moderna são uma coisa boa, às vezes se faz necessário demorar um pouco mais...se demorar um pouco na invenção de conceitos...aceitar que é necessário que o jovem, envelheça, mas que envelheça com a sabedoria do velho Nelson Rodrigues que ao longo de toda uma vida-obra teve o seu devir-criança...

Fórum marcado, então pela proliferação de lugares e tempos. Fórum de invencionices em que se torna possível tocar o tempo, dobrar o espaço a fim de torná-lo, de certa forma, uma matéria plástica, material de construção, tijolo. Ti-jo-lo.

É na fluidez, na versatilidade, na flexibilidade desses tempos e lugares reinventados que o Fórum Nômade se constitui como um construtor de referências: talvez seja isso, o Fórum Nômade é só um nome, e o que ele faz, ou torna possível fazer, é nada mais que criar espaços e tempos para a construção/invenção de referências. “ um grupo de fomentação cultural independente do que cada um faça nele: pesquisa, poesia, literatura, jornalismo, cinema, matemática...” ( Guilherme Diniz )

Justamente por reunir jovens ainda em processo de formação – ah! Como se nós, velhos, estivéssemos prontos! - não podemos esperar que primeiro se constitua um saber para somente depois iniciarmos o movimento de saída para o mundo, para a vida.

O Fórum Nômade quer intervir, atuar, fazer, criar, no mundo, agora! E não porque queira ardentemente alcançar algum fim: mas pelo processo mesmo, pela construção. Encontro de pessoas “que trabalham com o que gostam e que ensejam comunicar sua produção a outros amigos que queiram conhecer” ( Guilherme Diniz ). Por isso não é um partido político, não é seita religiosa, não é uma escola de pensamento. Também não tem dono. E nem chefe. Um processo que não é Ong, não é sindicato, nem movimento popular, muito menos partido político: algo que não sabemos o que é ainda...e que talvez nunca saibamos. Olhando com calma, um grupo heterogêneo, bastante gente interessada nesse espaço de discussão, em assuntos os mais variados.


Talvez o Fórum seja um circo: nos camarins, entre o cheiro de serragem molhada e o colorido das fantasias, exista o conluio de palhaços infames – doidos para ver o circo pegar fogo!

São artistas com desejos de produzir formas, cores, idéias, texturas, tons, intensidades, ruídos, vozes, brilhos, transparências, “intervir nessa triste paisagem simplesmente comunicando a produção daquilo que fazemos com gosto, por que nos dá sentido...”( Guilherme Diniz ). Educadores em busca de trocas, alternativas, possibilidades, meios, descobertas, invenções. Estudantes com vontade de mais vida, de mais encontros, de mais força, de mais beleza, menos feiura, menos brutalidade, menos dizer não e mais dizer sim à vida. Um monte de gente nas encruzilhadas do mundo experimentando caminhos. Um movimento de fora para dentro. Um movimento de dentro para fora. Uma escola sem muros, uma utopia. Utopia? Ainda essa lenga-lenga!? Sim!

Talvez o Fórum seja um circo: nos camarins, entre o cheiro de serragem molhada e o colorido das fantasias, exista o conluio de palhaços infames – doidos para ver o circo pegar fogo!


Quem disse que quero mudar o mundo? Quero instalar o Conflito.
Sim, pois onde há poder, há resistência. Instalar o conflito é causar justamente esse debate e não propor o consenso, mas o dissenso. O Conflito, ele mesmo, instaura uma nova configuração de forças na dinâmica das relações de poder que se dão não somente na chamada luta de classes, mas em todas as esferas, espaços e relações. A HEGEMONIA do Capital, tão presente em discursos inflamados, mais uma vez ver-se-á obrigada a enfrentar uma nova dinâmica em suas relações, o que nesse sentido altera por si só o status quo.

Um dos grandes problemas ao neoliberalismo pujante reside justamente nessa relação Jovem-Utopia, porque ela mesma altera o projeto inicial do capitalismo tardio, quando resiste ao papel imposto à juventude desse século: o papel tecnocrata, a ocupação técnica de setores estratégicos do mercado de trabalho, a fomentação de mão-de-obra especializada para ampliação do setor financeiro. Sim, uma vez instalada essa nova dinâmica de forças, o jovem deixa seu papel privado e passa a condição de agente público, de zoon politikon numa leitura Arendtiana. Cria-se o ócio criativo, provoca-se a atuação política na esfera pública, amplia-se as possibilidades, potencializa-se a recriação, a reinvenção, a releitura...

Agora imagine tal coisa em uma amplitude exponencial, imagine tal qual rizomas essa resistência em ampliações cada vez maiores, informes, variadas e múltiplas? Nesse sentido essa utopia ora proposta para nada serve? Em nada influi? ” ( Paulo Ricardo de Lima )

O Fórum é uma cidade. Com todas as suas tramas, uma cidade educadora, a cidade que traz inscrita em seus traçados toda uma história: a história da arte como história das cidades. Um jeito de habitar, de encontrar, de viver junto: inventar outros mundos. “ Não impondo uma forma, uma regra ou obrigando todos a fazer algo. Somente comunicando e com isso incentivando a produção de outro. Um verdadeiro contra-veneno, na minha opinião, para essa juventude frouxa e sem criatividade. desesperançosa com a dureza da realidade, trabalho-trabalho-trabalho. ( Guilherme Diniz )

O Fórum Nômade traz a marca que “caracteriza o ser humano ainda não embrutecido ou atingido pela própria fraqueza: a imaginação utópica, o Saber nômade, uma amorozidade nessa poemização.” ( Paulo Ricardo )

Sim, nos encontramos às vezes, nos reunimos de quando em quando e, “como cada um de nós é muita gente” somos uma verdadeira multidão. Um verdadeiro formigueiro. E como cada um traz uma imensidão de lugares e tempos diversos, o Fórum Nômade é uma miríade de possibilidades.

E é nômade né! Como se pode perceber, não se deixa capturar, apesar das muitas tentativas. Dispersos como os antigos ciganos; às vezes, perigosos como piratas. Conhecimento não se compra...

Nada disso nos impede, no entanto, de querer uma sistematicidade, um organismo, uma ata, um porto-seguro, uma fundamentação. Apenas não se acredita que essas coisas tenham caído do céu, como dádivas.

A fomentação cultural entre amigos é o que estou tentando dizer. Nada de formalidade, de regras, de membros. Não se trata de uma sociedade (muito embora seja o ideal, mas não se adequa ao momento). Unicamente pessoas que por si só fazem cultura, mas que até o momento não está em circulação na boca e na cabeça do outros, isto é, de nós.” ( Guilherme Diniz )

Certamente essa é uma aventura perigosa e – vamos ser sinceros: aqui há o risco nada pequeno de se perder. Que se registre: aventura é não saber onde vai dar a picada. Território de incertezas.

Resolvemos arriscar nosso próprio passo. É isso que o Fórum busca, a lenta construção de uma autonomia, o velho sonho da autonomia, a capacidade de andar, ainda que de modo errante.

O fato de que lidamos a todos os momentos com as relações entre o saber e o poder, incomoda a nós mesmos. E por isso procuramos fazer do fórum um exercício de “introdução a uma vida não fascista”. Mas em meio à angústia de nos percebermos cercados a todo momento pela dominação, encontramos também a “gostosura ( de ) sabermos que de nossas entranhas, num movimento brusco buscamos um opressor incubado. Veja quanta preocupação em não sustentar nem um 'Totem' sequer. Ninguém duvidará que este mesmo Fórum já nasceu questionando os opressores, os totens dessa sociedade. E essa questionalização, necessária a nosso Saber, nos fará...destruir as ideologias de nós mesmos, os alvoroços de nossas palpitações pelo lugar do opressor” ( Paulo Ricardo )

Aqui vai falar o poeta, o artista, o pensador curioso, o esboço de intelectual, subdesenvolvido, subordinado, moribundo...

O Fórum é uma experiência – e experiência é sempre algo de que se sai transformado – é uma experiência em termos de questionamento de nossa própria cultura bem como algo que nos permite pensar as operações e condições de pensamento e de vida que possibilitam um exercício de vida não fascista. Essa tentativa de inventar novos conceitos põe o pensamento em movimento. Liberta-se dos clichês que o impede, que nos impedem de pensar e se pensar. Pensar em tantas coisas...! nos modos pelos quais as nossas instituições - o Estado, a família, a escola, por ex. - se encontram em crise: todo um processo de desinstitucionalização atravessa o cenário, obrigando-nos a reconsiderar as práticas que até então pareciam perenes e seguras. Mas para uma cultura experimentar uma crise em suas instituições, são necessárias experiências-limítes. E são estas que devem ser interrogadas, questionadas...Este Fórum talvez seja uma dessas experiências, nós talvez sejamos essa experiência, cada um de nós...uma experiencia que leva em consideração as coisas da vida, inclusive as coisas medíocres que podem ser e são componentes indispensáveis para os agenciamentos dessa experimentação. Uma relação com o humano mas também com não humanos : com o vento, o clima, a vegetação, a nuvem, o dia, o outono, a luz de outono, a neblina, a doçura das uvas e o colorido das frutas, com enxames e cardumes, com os bandos migratórios...

É necessário um outro plano: aquele atravessado por movimentos, fluxos, velocidades e lentidões – a lentidão necessária à fabricação das pérolas ou vinhos encorpados ( Benjamin ). Sabe, é difícil acreditar, mas acredite: os livros sozinhos não podem dar conta disso tudo sozinhos...

Este Fórum talvez seja o espaço destinado às vidas-resistentes: vidas que se fazem obras de arte. Vidas-resistentes: vidas que se reinventam. Onde se exerce poder sobre a vida, a vida, também ela, age sobre o que incide sobre si. Biopotência: agora é a vida que faz fazer. A vida que flui, viva, faz viver cada um de nós em sua multiplicidade, fragmentação, devires, fluxos, explosões, tremores, plasmas...essa vida ressurge vibrante e terrível...um insurreição contra toda a dominação.


Fabiano Ramos Torres


Um comentário:

P@ulo Ricardo disse...

Existem alguns momentos que designamos de INEFÁVEIS. Essa descrição nos proporciona um deles.